21 dezembro 2004

Memória Recente



A Ponte que Falta na Fotografia

Na altura em que foi colhida esta imagem, em Agosto de 1997, decorria o concurso para o projecto e construção da ponte do Infante, destinada a substituir a ponte Luís I - que ficaria reservada para o metro - como travessia rodoviária do Douro.

No ano anterior, Fernando Gomes, então presidente da Câmara Municipal do Porto, havia anunciado publicamente o projecto de uma ponte metálica, que na tradição da construção das grandes pontes do Porto, seria uma «obra de artista, uma autêntica escultura, de uma leveza impressionante». A ponte anunciada pelo edil, da autoria do arquitecto Adalberto Dias, tinha a particularidade de ser assimétrica, com um único pilar do lado de Gaia. Aí assentaria o tabuleiro em direcção à escarpa das Fontainhas, no Porto. Estava prevista ainda a construção de um tabuleiro inferior, que ligaria as duas margens do Douro.



Este projecto deu origem a uma intensa polémica pública. Matos Fernandes, engenheiro civil, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, veio a terreiro, classificando a ponte de mamarracho, para colocar no meio de um relvado. E acrescentou que «numa ponte, a forma, o aspecto que ela apresenta, é um ponto
de chegada do projecto e nunca um ponto de partida», aludindo ao facto de os concorrentes à construção da obra, serem obrigados a desenvolver o projecto de engenharia de «uma solução concebida por quem nunca anteriormente projectou qualquer ponte, por mais insignificante que seja».

Adalberto Dias respondeu a Matos Fernandes, referindo que os estudos da ponte tinham sido da responsabilidade de uma equipa pluridisciplinar, que integrou engenheiros civis, de minas, de planeamento e transportes, geólogos, para além da área disciplinar da arquitectura e paisagismo, e que tinham sido acompanhados pelos serviços competentes das câmaras do Porto e de Gaia.

Rivalidade entre engenheiros e arquitectos, ou luta do lobbie das cimenteiras,
a verdade é que Adalberto Dias abandonou a solução da ponte metálica com duas travessias, para concorrer com uma versão em betão, de apenas uma travessia à cota alta. O projecto vencedor - o menos dispendioso para o erário público - foi o do engenheiro Adão da Fonseca, que daria origem à ponte que falta na fotografia,a actual Ponte do Infante D. Henrique.

2 comentários:

h ventura disse...

Eu quase que me tinha esquecido deste assunto quando zás! via "dias com arvores" aqui estou de novo a tocar-lhe. No fundo as guerras do cimento e do ferro e as rivalidades mal resolvidas entre arquitectos e engenheiros lá estão. Ganharam os engenheiros. Ganhou a cidade? Parece-me que não. É que para além do lado funcional dos objectos (neste caso pontes) estes encerram muitos outros aspectos. E se na busca do "belo" raramente se vê um engenheiro apostado, essa premissa é fundamental para o arquitecto. Reside aqui o conflito. Porque são as pontes metálicas tão belas, sendo a grande maioria projectadas por engenheiros? è que esses engenheiros eram diferentes. Bebiam na estética da "beuax-arts" todo o seu imaginário de progresso. Algo se perdeu. Senão como negar a evidência que entre a D. maria e a S. Luis, o que ficaria bem seria uma leve ponte metálica? teríamos duas pontes de betão, a Arrábida e a S. João delimitando o território do ferro (aço)... E agora que a ponte do Infante já lá está, quem é que se atreve a dizer que aqueles arcos quebrados são belos? Veja-se a Arrábida... Embora o material conte, não reside aí a questão, a questão está no desenho... A ponte do Arq, A. Dias para mim só tinha uma questão a ser equacionada. Era a questão dos barcos...

Carlos Romão disse...

Durante o processo de construção da Ponte de S. João, perguntaram ao Eng. Edgar Cardoso, porque é que a ponte não tinha um projecto de arquitectura. Prontamente ele respondeu que uma estrutura de betão, desde que seja bem calculada, é sempre bela e esbelta, dispensando a intervenção da arquitectura. Eu, que não sou nem engenheiro nem arquitecto, aguardei para ver e acabei por lhe dar razão, no caso da Ponte de S. João.

Não sei se a ponte do Infante tem ou não tem mão de arquitecto. A verdade é que ainda não digeri aquele arco pesado, composto por segmentos de recta, nem a forma desastrada como aterrou nas Fontainhas.